Esse rio é minha rua
Minha e tua, mururé
Piso no peito da lua
Deito no chão da maré
Os
versos da canção “Esse Rio É Minha Rua”, criada por Paulo André e Ruy Barata e
famosa na interpretação de Fafá de Belém, narram poeticamente uma realidade
muito comum das regiões amazônicas: o rio como eixo central do cotidiano
ribeirinho. A convivência em meio às árvores, aos animais e a todas as riquezas
da mata cria um extenso universo particular de cultura, tradições e hábitos
característicos das regiões envolvidas pelos rios.
Esse
lirismo das águas na vida das populações que sobrevivem a partir das condições
oferecidas pela natureza é, essencialmente, a perspectiva predominante no
projeto Mambembarca – uma caravana fluvial que vai levar a 12 cidades
localizadas nas margens do Rio Amazonas, no Pará, espetáculos teatrais de
temática amazônica que representam os costumes e a oralidade dos povos da
floresta.
Idealizada
por Alberto Silva Neto, ator, diretor e professor de teatro, a iniciativa marca
os 30 anos do grupo Usina, companhia de teatro paraense fundada em 1989 e cuja
trajetória foi construída pela experimentação da linguagem cênica e pela
atenção dada às questões humanas e sociais. Cofundador do grupo, Alberto conta
que a longevidade merece uma comemoração e Mambembarca é como um presente.
“Nos
últimos 15 anos, nós do Usina iniciamos uma imersão, desenvolvendo uma
investigação das possibilidades de compreender e expressar cenicamente as
singularidades dos povos da floresta. O grupo se volta para o teatro em uma
poética que se debruça sobre os modos de vida e as condições humanas de quem
habita a Amazônia”, explica o diretor.
A
decisão de retratar teatralmente a realidade dos ribeirinhos despontou através
da necessidade de abordar as problemáticas características desse contexto,
principalmente dos conflitos que surgem entre povos nativos e os agentes de
exploração da mata. Nesse sentido, os espetáculos escolhidos para compor a
caravana são integralmente representativos das populações amazônicas, ainda que
apresentados por diferentes ângulos, e buscam despertar uma consciência
ambiental.
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Em
Parésqui, duas atrizes mimetizam corpo e voz cotidianos para narrar vivências
de oito pessoas de uma mesma família, que vive na ilha do Combu - em frente a
Belém. (imagem: André Mardock) |
“Os
roteiros e as construções são completamente distintos, tanto em sua forma
quanto em sua fonte dramatúrgica, mas são todos olhares que se complementam
para retratar e pensar a cultura amazônica”, esclarece Alberto Silva Neto, que
dirige também Solo de Marajó,Pachiculimba e Parésqui, todas
integrantes do projeto.
A quarta e última peça presente na caravana é Dezuó,
Breviário das Águas, criação do coletivo paulista Macabéa, que versa sobre os
impactos da Usina de Belo Monte, no Pará, e que foi convidado para participar
por se relacionar teatral e substancialmente com os fundamentos da iniciativa (a arte que abre a matéria).
O
antagonismo entre os caboclos que se preocupam com a proteção e a preservação
da floresta e o “sistema predatório”, como descreve Alberto Silva Neto, é uma
das ênfases que o Usina pretende dar em seu caminho pelo Rio Amazonas –
deslocamento extenso de quase 1.000 quilômetros por uma região cujos habitantes
somam 2,2 milhões de pessoas e que compreendem mais de 25% da população
paraense atual.
“O
ser humano já está na Amazônia há 11 mil anos. Se ela está ainda preservada
atualmente, mesmo que não em sua totalidade, é porque os povos que lá se
criaram dominavam técnicas muito sofisticadas de relação com o meio ambiente,
quase como uma tecnologia de conservação. Por isso, elegemos locais e
habitantes muito singulares e muito próximos do que exploramos em nossos
espetáculos. A temática amazônica envolve realmente um conflito entre o sistema
consciente e o sistema agressor, e a população fica no meio dessa divisão.
Pensando nesse sentido, prezamos pela cultura amazônica em si; buscar
compreender que ser humano é esse, como ele se relaciona com a vida que ele
leva e como os caboclos se posicionam diante das questões do mundo. É
fundamental retratar essa realidade”, explica o teatrólogo.
A
escolha pelo meio de locomoção fluvial, com barcos que irão percorrer a região
metropolitana de Belém até chegar a Santarém – a segunda mais importante cidade
do Pará e principal centro cultural do oeste paraense –, não foi por acaso. Os
obstáculos característicos da viagem, com locais de difícil acesso e sem
estrutura de rodovias que facilitam a chegada aos povoados parece, à primeira
vista, o motivo principal para justificar a navegação pelas águas. Mas, como
explica o idealizador de Mambembarca, a dimensão da caravana é simbólica.
“Podemos
legitimar o uso de barcos por ser a forma mais prática e eficiente de se
locomover nessas localidades, é claro. Mas, em primeiro lugar, é um meio de
locomoção lírico, que possui uma dimensão poética, pois estaremos fazendo o
trajeto em um meio de transporte muito próximo da cultura das populações
ribeirinhas e amazônicas”, descreve Alberto Silva.
Essa
aproximação do dia a dia ribeirinho é, inclusive, outro destaque do projeto
contemplado pelo programa Rumos Itaú Cultural. Alberto conta que a motivação
central no desenvolvimento das atividades foi a possibilidade de conexão
efetiva com aqueles que inspiraram as histórias encenadas.
“O
projeto Mambembarca significa um contato com a realidade, como se estivéssemos
levando o teatro e as discussões sociais àqueles que inspiram as peças. É
significativo para nós a possibilidade de encontrar as pessoas que são espelho
para nossas encenações. Existe, antes de tudo, o desejo de ir para além das
fronteiras, físicas e mesmo aquelas invisíveis. Penso, metaforicamente, como se
fosse uma viagem para dentro. Estamos saindo do centro urbano e adentrando os
rios, mergulhando interiormente. Nós vamos colocar nosso teatro em contato com
a própria origem”, reflete o diretor.
Para
fortalecer o vínculo das peças teatrais com os povos da floresta, a iniciativa
vai ainda promover ações paralelas às apresentações públicas dos espetáculos.
No total serão 48 encenações das montagens integrantes de Mambembarca e todas
serão complementadas com conversas informais após o encerramento. Dessa forma,
o grupo Usina pretende dar espaço às pessoas, procurando compartilhar
experiências e pensamentos e estabelecer relações com o cotidiano das
populações amazônicas. É, como elucida Alberto Silva, um teatro de natureza
política, uma arte pública, que coloca como prioridade aqueles que normalmente
não têm acesso à cultura.
“A finalidade maior do nosso projeto é promover o teatro como um veículo de discussão e reflexão, tanto cultural quanto política e social. As oficinas em cada cidade constituem um viés pedagógico, voltadas para estimular os difusores de cultura, os multiplicadores de ideias e questões e, claro, ajudar no amadurecimento do pensamento ribeirinho ante as problemáticas de suas realidades. Essa dimensão pedagógica é muito importante. Por isso, não é meramente um show. É claro que a distração e o entretenimento são legais, mas nosso projeto quer impactar de forma diferente a vida das pessoas. Queremos que nossa passagem construa outros sentidos e possibilidades de compreender as questões sociais, colocando a arte em contato profundo com o pensamento de seu público”, finaliza o responsável pelo projeto.
A caravana Mambembarca sobe o Rio Amazonas,
de Belém a Santarém, percorrendo cinco municípios da Ilha de Marajó e outros
cinco da mesorregião do Baixo Amazonas desde o dia 3 de julho até 27 de agosto de 2019,
levando gratuitamente quatro espetáculos e oficinas de teatro a 12 municípios
do Pará.
A programação da Mostra de teatro em Santarém é a seguinte:
- Dias 18 e 19 (Dom e seg) - Dezuó, Breviário das águas (Nucleo Macabéa - SP)
- Dia 20 (Ter) - Parésqui (Grupo USINA - PA)
- Dia 21 (Qua) - Solo de Marajó (Grupo USINA - PA)
Local: Casa de Cultura
Hora: 20h
A programação da Mostra de teatro em Santarém é a seguinte:
- Dias 18 e 19 (Dom e seg) - Dezuó, Breviário das águas (Nucleo Macabéa - SP)
- Dia 20 (Ter) - Parésqui (Grupo USINA - PA)
- Dia 21 (Qua) - Solo de Marajó (Grupo USINA - PA)
Local: Casa de Cultura
Hora: 20h
Texto: Marina Lahr
Fonte: Itaú Cultural
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