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Área de garimpo ilegal em que Ibama desativou máquinas de mineração na Terra Indígena Munduruku, no Pará, em maio de 2018 (créditos: Vinícius Mendonça/Ibama, em licença CC BY-SA 2.0, via Flickr) |
BC tem tanta responsabilidade pela precariedade na fiscalização quanto a União e a Agência Nacional de Mineração, registra ação judicial
Além de
pedir à Justiça Federal que obrigue a União e a Agência Nacional de Mineração
a informatizarem o sistema de
controle da cadeia econômica do ouro no país, a fiscalizarem o uso
das licenças simplificadas para garimpos, e a definirem quem pode ter acesso a
essas licenças, entre outras demandas, o Ministério Público Federal (MPF)
apontou que também o Banco Central (BC) é responsável pelo completo descontrole
do Brasil sobre essa cadeia econômica e que, portanto, também deve ser obrigado
a tomar providências para evitar a continuidade da extrema inércia do Estado
nessa área.
O MPF quer que o BC apresente à Justiça e execute plano de implantação de
medidas administrativas que garantam um maior controle da custódia do ouro
adquirido pelas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs) e pelos
Postos de Compra de Ouro (PCOs). As DTVMs são instituições autorizadas pelo BC
a realizarem, com exclusividade, a compra do ouro proveniente dos garimpos, e
os PCOs são os braços das DTVMs nas regiões de exploração mineral.
Os pedidos foram feitos em uma das ações ajuizadas pelo MPF em 2019 com base em
provas e dados coletados durante três anos pela instituição e pela Polícia
Federal (PF) em investigação inédita que esmiuçou o funcionamento de uma das
maiores empresas compradoras de ouro no maior polo da mineração ilegal no
Brasil, a bacia do Tapajós, no sudoeste do Pará. Nessa ação o MPF cita, pela
primeira vez, trechos de um manual de atuação da instituição para o combate à
mineração ilegal. O documento foi elaborado pela força-tarefa Amazônia do MPF,
que fez um diagnóstico aprofundado sobre os problemas, indicando soluções para
a questão.
O MPF também pediu que o BC seja obrigado a proibir a DTVM Ourominas de
comercializar ouro até que a empresa promova a devolução aos cofres públicos
dos prejuízos causados, faça a compensação pelos danos ambientais provocados, e
apresente plano que preveja mecanismos internos de accountability. O plano deve
incluir, necessariamente, a fiscalização rigorosa das atividades dos PCOs
vinculados à empresa, pediu o MPF na ação judicial.
Sanções obrigatórias
A empresa Ourominas foi a grande beneficiada
pelas mais de 4,6 mil aquisições ilegais de ouro feitas durante os três anos
que a investigação cobriu, registra o MPF. Só entre 2015 e 2018, o PCO da
Ourominas em Santarém fraudou a compra de 610 quilos do minério, causando um
prejuízo de R$ 70 milhões à União. E esse prejuízo pode ser muito maior, tendo
em vista que o valor foi calculado com base nas indicações das notas fiscais,
que são preenchidas apenas pelos criminosos, com indicações bem inferiores ao
valor de mercado.
De acordo com a legislação, a Ourominas tem que ser punida por essas
ilegalidades, ressaltam os procuradores da República autores da ação judicial.
Eles destacam que a lei 13.506/2017 estabelece que as instituições
supervisionadas pelo BC responsáveis por irregularidades estão sujeitas à
proibição de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação. A lei
elenca como infração punível a realização de “operações ou atividades vedadas,
não autorizadas ou em desacordo com a autorização concedida pelo Banco Central
do Brasil”.
Prova do descontrole – As informações que o BC possui sobre o comércio do ouro
são as autodeclaradas pelas DTVMs. Não há sequer uma checagem dos dados. Como
prova disso, o MPF relatou na ação judicial que a PF não encontrou nem uma
única grama de ouro no estabelecimento informado pelo BC ao MPF como local de
armazenamento do ouro da Ourominas.
“Embora se saiba que a empresa revenda ouro, não é crível que uma das maiores
compradoras de ouro do Brasil não tenha o minério em seu estoque (ou custodiado
em empresas terceirizadas), mesmo porque seus estabelecimentos vendem ouro em
barra sob encomenda. Após anos sendo investigada, neste e em outros casos –
como a Operação Crisol, no Estado do Amapá – há fundada suspeita de que a OM
Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda [Ourominas] dissipe ou
oculte o ouro ilegal adquirido, bem como seu próprio patrimônio de maneira
geral”, critica o MPF.
“Esta prática só é possível graças ao completo descontrole do Banco Central do
Brasil, assim como da União e Agência Nacional da Mineração, no que diz
respeito à fiscalização do comércio e da custódia do ouro. É clarividente que a
OM Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda mantém ouro custodiado
em local desconhecido dos entes públicos. Também há desinformação generalizada
quanto ao destino do ouro remetido às DTVMs, como se visualiza no presente
caso”, complementam os procuradores da República.
O MPF acrescenta que é ao longo da cadeia de custódia que o ouro extraído
ilegalmente tem sua origem “esquentada” (acobertada) e ingressa formalmente no
mercado. “O ouro é um bem de domínio da União, explorado por particulares sob
regime de concessão ou autorização, no ‘interesse nacional’, segundo a dicção
do artigo 176, §1º da Constituição Federal. Embora o produto da lavra seja
propriedade do concessionário, há evidente interesse público em se ter este
comércio devidamente fiscalizado, incluindo a custódia do minério e o seu
destino após remessa às DTVMs”.
Série
Desde o final de julho o MPF está publicando uma série de
notícias para resumir como as várias fragilidades do sistema de controle da
cadeia do ouro possibilitam a atuação de organizações criminosas como a
denunciada pela instituição e geram prejuízos financeiros, sociais e ambientais
de proporções devastadoras.
Também estão sendo descritos os pedidos feitos pelo MPF à Justiça relativos às
instituições públicas e às empresas processadas.
Este é o quinto texto da série. O primeiro apresenta um panorama dos problemas,
o segundo detalha as
facilidades às fraudes e dificuldades à investigação resultantes da falta de um
sistema informatizado de controle, o terceiro aponta as
consequências da negligência do país em fiscalizar o uso das permissões de
lavras garimpeiras e a produtividade dessas lavras, e o quarto registra os
prejuízos ao país provenientes de uma legislação que desconsidera a existência
da mineração de escala empresarial.
O conteúdo integral das ações, com todos os detalhes disponíveis, pode ser
acessado nos links abaixo.
Ação cível: processo nº 1003404-44.2019.4.01.3902 – 2ª Vara da Justiça Federal em Santarém (PA)
Íntegra da ação
Consulta processual
Ação criminal: processo nº 0000244-28.2019.4.01.3902 – 2ª Vara da Justiça Federal em Santarém (PA)
Íntegra da ação
Decisão judicial
Consulta processual
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Fonte: Ascom MPF/PA
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